O pedido consta em um e-mail obtido pelo Ministério Público do Trabalho do Piauí (MPT-PI). Um gerente da farmacêutica Eurofarma informa que na próxima reunião a equipe de revendedores da companhia fará a "degustação" do medicamento Ártico, indicado para o tratamento de artrose.
Cada funcionário, descreve o gerente, deverá trazer exemplares de produtos concorrentes do Ártico, como o Glicolive, do laboratório Ache, e o Condroflex, da Zodiac. Ao todo são oito remédios, que serão experimentados pelos funcionários responsáveis por fazer a intermediação entre o laboratório e os médicos. Os medicamentos são comercializados em pó. Devem ser dissolvidos em água para consumo.
As informações constam em ação civil pública proposta pelo MPT-PI contra a Eurofarma. No processo, que pede que a farmacêutica pague R$ 10 milhões em indenização, o órgão alega que, sem nenhum acompanhamento médico, a companhia fazia seus funcionários consumirem medicamentos em quantidades até quatro vezes superiores às indicadas nas bulas.
O objetivo, de acordo, com a procuradora Maria Elena Rêgo, responsável pela ação, era compreender o sabor, a textura e a forma de dissolução dos medicamentos, para expor os remédios aos médicos. Além do medicamento para artrose, o MPT-PI identificou que os funcionários da Eurofarma realizaram a degustação de antibióticos e remédios para varizes.
Em choque
Maria Elena conta que descobriu o sistema de "degustação" promovido pela Eurofarma após receber a denúncia de um ex-funcionário da companhia. Ela diz que o revendedor narrava que os trabalhadores eram levados a consumir diversos remédios, mesmo os que requeriam receita para serem vendidos.
"São remédios fortes, que só são revendidos com prescrição", afirmou.
O objetivo era munir os revendedores de informações sobre os medicamentos. Para tanto, os trabalhadores eram instruídos a conseguir amostra de remédios da concorrência, que também seriam degustados. O procedimento gerava temor, por parte dos trabalhadores, de algum tipo de reação alérgica ou efeito colateral.
De acordo com a petição inicial da ação civil pública proposta pelo MPT-PI, as degustações geralmente eram feitas em hotéis, e não havia médicos acompanhando o processo. Um dos funcionários que prestaram depoimento ao órgão descreveu que alguns medicamentos poderiam causar reações alérgicas, e que alguns funcionários tinham diarreias após tomarem os remédios.
"Fiquei em choque, nem acreditei inicialmente que seria possível uma prática dessa natureza", diz Maria Elena.
Outro exemplo de degustação consta na petição inicial do processo. Um ex-funcionário da Eurofarma narra que os vendedores tiveram que experimentar o antibiótico Sinot, que é comercializado em pó.
De acordo com o trabalhador, o medicamento possui três concorrentes, que também foram degustados. Ao todo, os vendedores consumiram quatro vezes a medida do "copinho" que acompanha o antibiótico.
Na ação civil pública, o MPT-PI pede, por meio de liminar, que a Eurofarma deixe de fazer as degustações em todo o país. Há também o requerimento de pagamento de R$ 10 milhões em danos morais, a serem revertidos "em benefício da comunidade prejudicada".
Na inicial, o MPT-PI afirma que não considera o montante elevado, dado que a Eurofarma, obteve, em 2015, lucro líquido de R$ 191 milhões.
O processo foi distribuído à 4ª Vara do Trabalho de Teresina, sob o número 0001559-84.2016.5.22.0004, mas não teve liminar analisada pelo Judiciário.
Leia abaixo a íntegra da nota enviada pela Eurofarma sobre o assunto:
"Sobre menção de ação civil pública reportando o uso indiscriminado de medicamentos, a Eurofarma Laboratórios S/A informa que até o momento não foi intimada e não teve acesso ao conteúdo do processo mencionado pela mídia. Entretanto, reforça que prima por uma atuação ética e em estrita concordância à legislação vigente. Todos os colaboradores da Eurofarma seguem o Código de Conduta e contam com um Canal de Ouvidoria independente para reporte, anônimo, de suspeitas de desvio ou infração, e não foi encontrado no banco de dados do Canal nenhum registro que pudesse ter relação com o tema abordado pelo MP, de "experimentação" ou "degustação" de medicamento. Esclarece, também, que quando um medicamento é lançado e inserido na pauta de treinamento é porque já obteve autorização sanitária para sua comercialização e, portanto, já foi submetido a testes in vitro e in vivo que comprovam sua eficácia e segurança. O treinamento realizado para a força de vendas é de cunho científico e comercial e, entre outros, aborda as características físico-químicas e as propriedades organolépticas do produto frente à concorrência (apresentação, cor, odor, etc.). Um conjunto de informações que visa o conhecimento e o preparo dos profissionais que atuam na propaganda médica. A empresa reforça seu permanente compromisso com uma atuação responsável".
Bárbara Mengardo Do "Jota"
Fonte: Portal da UOL
Fonte da imagem: Jornal i