Durante cinco anos, 76 pacientes do Acre, diagnosticados com a doença de Jorge Lobo (enfermidade que provoca lesões na pele do portador), são tratados com medicamentos para hanseníase em uma tentativa de descobrir uma solução que diminuísse os nódulos causados pela doença. Destes, apenas quatro não alcançaram um resultado positivo.
O hansenólogo William Woods, de 78 anos, aplicou o tratamento chamado de Poliquimioterapia Multibacilar, composto de três medicamentos para tratar hanseníase (Dapsona, Rifampicina e Clofazimina), nos pacientes e, ao longo dos anos, percebeu que os sintomas de Jorge Lobo foram desaparecendo.
Típica de países tropicais, a doença é mais comum entre homens, por terem mais contato com a natureza. As lesões, que na maioria das vezes simula um queloide, nascem por meio de algum trauma sofrido pelo paciente, seja corte, ferida ou algum inchaço que apareça na pele de forma saliente.
Segundo o médico William Woods, os ferimentos se espalham pelo corpo através de coceira intensa, sendo mais comuns nos braços, pernas e orelhas. Atualmente no Acre, existem 378 casos registrados, sendo a maioria na capital acreana. A doença não é contagiosa.
Woods conta que a ideia de tratar os pacientes de Jorge Lobo com os medicamentos para hanseníase surgiu há mais de cinco anos quando atendeu uma paciente do município de Epitaciolândia, distante 230 quilômetros da capital. O médico lembra que a mulher chegou ao hospital afirmando que tinha hanseníase, foi registrada como portadora da doença, recebeu os medicamentos e começou o tratamento. Woods conta que quando viu a paciente, soube no mesmo instante que a doença que ela tinha não era hanseníase, mas sim, Jorge Lobo.
"Quando a vi, sabia que era a doença de Jorge Lobo e falei que ia suspender o remédio. Ela pediu para não suspender, que tinha melhorado muito, então, deixei que continuasse com a medicação. Foi a partir daí que começamos a monitorar e perceber que o remédio servia para Jorge lobo", lembra.
O médico conta que ao todo, mais de 70 pacientes tomaram a medicação durante os cinco anos de teste. No decorrer dos anos, de acordo com o especialista, o pacientes tomaram Dapsona, Rifampicina e Clofazimina, mediamentos que compõem o tratamento chamado de Poliquimioterapia Multibacilar, para hanseníase. Woods diz que o tratamento fica completo com o anti-fungo Itraconazol, que ajuda a combater as lesões que surgem na pele.
Segundo o especialista, antes da medicação para hanseníase, os portadores de Jorge Lobo recorriam apenas à cirurgia, onde eram retiradas as lesões da pele. O primeiro sinal positivo do tratamento, de acordo com Woods, foi o desaparecimento das lesões após alguns meses depois da cirurgia.
"Os primeiros sinais da melhora foi o fim das coceiras, as lesões atrofiaram, murcharam. É um remédio para melhorar, para combater. Antes, sem o tratamento, as lesões só aumentavam, quando operavam e tiravam a lesão, voltava tudo de novo, com pouco tempo. Tem paciente que nos procurou logo no início da doença, fez o tratamento com a medicação e recebeu alta por cura. Isso foi uma alegria", relembra.
Mas, segundo o especialista, houve um empecilho para a continuidade do tratamento. O remédio aplicado aos pacientes com Jorge Lobo era exclusivo para portadores de hanseníase, e o Ministério da Saúde não permitia que a medicação fosse distribuída para outros pacientes. Para continuar com o tratamento, que a princípio era feito sem a autorização do órgão da saúde, Woods explica que montou uma equipe para fazer um protocolo de pesquisa para apresentar ao Ministério da Saúde e assim, conseguir autorização para continuar usando o remédio para hanseníase nos pacientes com Jorge Lobo.
"Nosso protocolo de pesquisa passou pelo Comitê de Ética do Estado e do Ministério da Saúde, eles permitiram que a gente usasse esses remédios por dois anos. Depois de dois anos, pedimos que fosse renovado e permitiram por mais quatro anos. Então, durante esses anos tivemos 76 pacientes que fizeram o tratamento com os remédios para hanseníase. Destes, apenas quatro não melhoraram", comemora.
Com os resultados positivos, em dezembro de 2014, o Ministério da Saúde reconheceu que os remédios ajudam a combater a doença Jorge Lobo. Para o Woods, a conquista representa um avanço da medicina, uma vez que antes do tratamento os portadores não tinham, além da cirurgia, nenhum meio de reverter os sintomas da doença. O especialista revela que uma equipe de médicos de São Paulo vem ao Acre duas vezes por ano para tentar descobrir onde o fungo se propaga.
"Na época tinha muita gente pesquisando, mas nunca ninguém conseguiu um jeito que fizesse o paciente melhorar. É bom ver pacientes que não tinham recurso nenhum, não tinham como se tratar, e agora estão se curando. Tem um paciente que vai parar de tomar o remédio e ficar em observação. Isso é recompensador", argumenta.
O vendedor ambulante Raimundo Tomé, de 49 anos, é um dos 76 pacientes tratados com os remédios para hanseníase. Tomé, como prefere ser chamado, conta que aos 14 anos morava com a família no município de Xapuri, a 188 quilômetros de Rio Branco, e tinha contato constantemente com a natureza. O vendedor lembra que a lesão só apareceu por volta dos 18 anos, um pequeno caroço começou a crescer na orelha esquerda.
Aos 21 anos, quando já morava em Rio Branco, Tomé procurou o médico Woods para tentar descobrir do que se tratava o caroço na orelha. Diferente dos demais portadores de Jorge Lobo, em que as lesões chegam a crescer por todo o corpo, Tomé teve apenas esse ferimento.
"Procurei o doutor quando ele trabalhava ainda no pronto-socorro. Minha lesão tinha aproximadamente 1 centímetro quando fui me consultar, ele analisou, e viu que era Jorge Lobo. Ele cauterizou várias vezes, mas sempre nascia maior", relembra.
O vendedor afirma que começou a tomar os remédios para hanseníase depois de algumas cirurgias realizadas pelo especialista. Para tentar esconder o caroço quando voltava a crescer, o vendedor revela que para não deixar a lesão exposta para os clientes, escondia com um curativo, e quando perguntavam sobre o ferimento na orelha, Tomé se esquivava da verdade e dizia que tinha se machucado antes de sair de casa.
"Mesmo depois que eu operava as lesões voltavam a aparecer, ficava pensando até onde isso vai chegar, era terrível. Fazia de tudo para esconder, comprava remédio manipulado para verruga escondido do médico e passava na orelha, tinha vergonha de falar da doença. Eu vendia na rua, não tinha como contar que tinha Jorge Lobo, as pessoas pensam que é contagioso", explica.
O tratamento e a cirurgia para retirar a lesão modificaram a vida de Tomé. Trabalhando como vendedor de bolo no Centro da cidade, ele conta que o caroço na orelha parou de crescer, e que a cicatriz não atrapalha no trabalho. "Não estou no grupo de pessoas que receberam alta por cura, mas tive um grande avanço no meu tratamento. Hoje trabalho sem medo de mostrar minha orelha, porque antes tinha vergonha", comemora.
'Me acostumei com as lesões', diz paciente
Diferente do vendedor, Sebastião de Lima Caetano, de 44 anos, diz que ainda não conhece o tratamento disponibilizado aos pacientes com Jorge Lobo. O aposentado conta que procurou um médico na juventude para saber do que se tratavam as lesões no corpo, mas, após ser informado pelo médico que a doença não tinha cura, desistiu de buscar ajuda e resolveu aceitar as lesões.
"Fui ao médico há muito tempo, ele me informou que não tinha tratamento. Depois disso não procurei mais o hospital. Ele disse que só tinha tratamento lá fora. Me acostumei com as lesões", conta.
Os nódulos queloidianos de Caetano são espalhados por todo o corpo. Ele conta que começaram a surgir quando morava no seringal, no interior do estado. Assim como Tomé, o aposentado não sabe como foi infectado pelo fungo. Sem informação sobre a doença, Caetano foi aceitando os ferimentos no corpo sem se preocupar com a aparência física.
"Não sinto dores, nem outro sintoma. Só foram crescendo pelo meu corpo e como não fui mais ao médico, ficou por isso mesmo. Não sabia que tinha cirurgia e muito menos remédio para isso". Informado do tratamento, o aposentado disse que vai procurar o médico Woods e tomar os remédios para diminuir as lesões na pele.
Fonte: G1