Com seu humor peculiar ("católicos não são coelhos"), o Papa Francisco levantou a bola do planejamento familiar, tema caro a um mundo de quase 7 bilhões de seres humanos que assiste ao preocupante aumento da brecha entre ricos e pobres. Mas um aspecto do discurso improvisado no avião que o levava da Ásia de volta ao Vaticano foi pouco explorado: ao mencionar a paternidade responsável, sempre se referindo à família como um todo, o líder de 1,2 bilhão de católicos envolveu diretamente os homens, histórica e culturalmente poupados da responsabilidade sobre o controle de natalidade. Nisso, mostrou-se alinhado com os novos tempos, sobretudo no Ocidente, onde a ciência tem se debruçado mais sobre técnicas contraceptivas focadas neles.
Com previsão de início da fase de testes clínicos em humanos no final deste ano, o Vasalgel, maior novidade da área, é a primeira injeção contraceptiva para homens. Seu processo de ação é simples: a solução gelatinosa é injetada no canal deferente, no aparelho reprodutor masculino, bloqueando a passagem dos espermatozoides.
Similar ao Risug, tecnologia que já está em fase clínica avançada na Índia, a técnica é uma alternativa à vasectomia e à camisinha, duas únicas e antigas opções disponíveis para os homens. O procedimento deverá ser rápido, realizado em cerca de 15 minutos após uma anestesia local, e poderá ser revertido com facilidade com outra injeção que dissolveria o hidrogel. Após já ter percorrido um ano de resultados bem-sucedidos em coelhos, o Vasalgel deve chegar ao mercado apenas em 2017.
Em 12 anos, 300% mais vasectomias
De acordo com o urologista Marcello Cocuzza, membro do Departamento de Reprodução Humana da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), o método funciona e deverá ter procura. Prova disso é o crescimento de mais de 300% no número de vasectomias realizadas pelo SUS entre 2001 e 2013 (de 7,7 mil para 24 mil), que refletiria não só o aumento de informação sobre o procedimento mas um interesse maior no planejamento familiar. Mesmo assim, explica o especialista, o envolvimento ativo dos homens no processo ainda é carregado de estigma.
— A vasectomia é um método até hoje interpretado como definitivo, apesar de não ser. É reversível — afirma Cocuzza, acrescentando que o ideal é que, com a evolução dos dispositivos eletrônicos, fosse possível implantar no canal deferente um dispositivo que inutilizasse os espermatozoides e que fosse facilmente retirável.
Essa sugestão do urologista ainda não está entre as possibilidades imediatas, mas algumas outras saídas vêm aí, explica ao GLOBO Aaron Hamlin, diretor executivo da Male Contraception Initiative (Iniciativa de Contracepção Masculina, em tradução livre), uma organização sem fins lucrativos que milita nessa seara. O advogado, que há anos trabalha com instituições do tipo, destaca que o desenvolvimento de dispositivos médicos ou de medicamentos é um processo complicado e que "pode ser difícil prever o que será bem-sucedido". Ainda assim, além do Vasalgel, Hamlin enumera outros possíveis métodos.
— A gendarussa é um contraceptivo promissor. É uma planta cultivada na Indonésia, que, quando processada, pode ser tomada em forma de pílula — disse. — Esse trabalho está sendo realizado por uma equipe da Universidade de Airlangga em Surabaia, na Indonésia. Acredita-se que a planta interrompa os processos de fertilização, impedindo o espermatozoide de liberar uma enzima que lhe permite romper a membrana do óvulo. Não há uso de hormônios.
Tal alternativa já passou pelas duas primeiras fases de testes em humanos no arquipélago e está nos primeiros estágios de construção de uma equipe para continuar a tocá-la.
Outra abordagem é a apelidada de "clean sheets pill" (pílula dos lençóis limpos). Como o nome sugere, a iniciativa britânica age relaxando certos músculos dos canais deferentes, impedindo qualquer líquido seminal de ser liberado durante o orgasmo. Para esse método ainda serão necessários testes em animais — primeiro, em carneiros; depois, em primatas — antes da fase de provas em humanos.
Sem dispor de métodos mais avançados, o dentista Ricardo Vasconcellos, de 50 anos, submeteu-se recentemente a uma vasectomia. Depois de ter um casal de filhos, ele tomou a decisão principalmente para controle de natalidade e para ajudar a parceira "a não precisar ficar tomando remédio". Mas, se tivesse a opção de ingerir uma pílula, diz que não hesitaria:
— Todos os homens deveriam pensar nisso quando (o método) estiver disponível, a fim de que se possa dividir a responsabilidade.
Até lá, a ciência terá de driblar um problema levantado por Hamlin: o subfinanciamento de pesquisas na área.
— Se há alguma barreira real que precisa ser quebrada, é o dinheiro. Mesmo que a pesquisa consuma quantias significativas, não é muito quando falamos sobre o que estamos oferecendo: o primeiro contraceptivo masculino reversível desde o preservativo — pondera o advogado. — Peça a mulheres e seus parceiros que considerem os milhões de dólares gastos para desenvolver a pílula e perguntem se esse dinheiro deveria ser simplesmente poupado. Ninguém no seu perfeito juízo diria que sim.
Ao mesmo tempo em que os homens estão participando cada vez mais na decisão de quando e se querem ter filhos, especialistas ressaltam que a preocupação ainda não é suficiente. Além de a possibilidade de contribuição masculina no processo ser limitada, a consciência de que a responsabilidade de homens e mulheres é exatamente a mesma ainda não está devidamente difundida.
Depois do teste de DNA, mais envolvimento
São elas que ainda têm de se sujeitar a passar por possíveis mudanças corporais e emocionais ao ingerir hormônios, ou então buscar outros métodos disponíveis no mercado com que fiquem mais à vontade. Espelho disso é que, em 2009, uma pesquisa americana realizada pelo The Kinsey Institute revelou que as mulheres que tomam pílulas e exigem o preservativo masculino são as que mais sentem prazer sexual, por se sentirem mais protegidas.
Segundo a psicanalista e autora Regina Navarro Lins, com o advento do teste de DNA, o interesse do homem em só ter filho quando quiser se intensificou.
— É muito importante que tanto homens quanto mulheres possam se prevenir. A pílula foi fundamental, uma vez que a mulher pôde decidir se queria ter filho, quando e com quem — opina. — Mas o planejamento familiar tem que ser uma coisa a dois, e essas novidades para homens podem ajudar nesse sentido.
Regina acrescenta que, mesmo com as novas possibilidades (e enquanto elas não chegam ao mercado), a mulher deve sempre cuidar do seu corpo e solicitar a camisinha, método literalmente milenar que, além da função contraceptiva, permanece como o mais eficaz na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.
Mais estudos focados na mulher
Para além dos métodos contraceptivos focados nos homens, novas alternativas para as mulheres continuam a surgir, todas calcadas em conforto e segurança. A empresa norte-americana MicroCHIPS está desenvolvendo um anticoncepcional em forma de chip que busca solucionar empecilhos que a necessidade de ter horários regulados pode trazer, uma vez que o dispositivo liberaria o hormônio gradativamente e teria duração estimada de até 16 anos.
Com laterais de 20 milímetros e altura de 7 milímetros, o aparelho entrega uma dose diária de 30 miligramas do contraceptivo levonorgestrel, tipo sintético do hormônio feminino progesterona, e tem previsão de disponibilidade para 2018. Uma bateria minúscula solta uma corrente elétrica, permitindo que o medicamento seja liberado no corpo da mulher. Caso o casal decida engravidar, o chip pode ser desativado por um controle remoto.
Apesar de dispositivos intravaginais não serem novidade, um novo anel também foi desenvolvido com mais uma função, além de prevenir contra a gravidez indesejada: agir contra o vírus da Aids. O produto, desenvolvido por cientistas da organização de pesquisa em saúde reprodutiva Conrad e da Universidade de Utah (EUA), é um anel de poliuterano que poderia durar 90 dias, período no qual liberaria alta dosagem da substância anti-HIV tenofovir e baixa dosagem do levornorgestrel. Essa novidade passou por testes bem-sucedidos em coelhos e está aguardando testes clínicos em mulheres.
Finalmente, a camisinha origami, que deve ser lançada até o final deste ano ou o começo de 2016, tem formato ovalado, espelhando a anatomia do aparelho genital feminino, e é feita de silicone. Segundo seu inventor, Danny Resnic, o produto pode ser reutilizado, uma vez que é lavável em água corrente.
Fonte: O Globo