Jararaca (Bothrops jararaca), boca-de-sapo (Bothrops neuwiedi) e caiçaca (Bothrops moojeni) são temidas serpentes do centro-oeste brasileiro. Venenosas, suas mordidas podem arruinar muitas vidas. Ainda que nem sempre levem um ser humano à morte, costumam causar graves estragos no corpo das vítimas – severas inflamações, edemas, hemorragias... E até necrose dos tecidos no local onde foi inoculado o veneno. Não são raros os casos de amputação decorrentes desses impiedosos ataques.

Mas já dizia uma música do violeiro paulista Renato Teixeira: "As plantinhas do mato / Curam caxumba / Quebranto e lumbago / Veneno de cobra / Bronquite, pigarro".

Parece ser esse o caso. Estudos da farmacologista Mônica Kadri, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), confirmaram que uma ‘plantinha’ guarda poderoso antídoto contra lesões causadas pelo veneno de algumas serpentes. Estamos falando do ipê-amarelo (Tabebuia aurea) nativo do Pantanal.

O segredo já é velho conhecido dos pantaneiros. Para amenizar os efeitos da mordida das temíveis cobras da região, eles usam há gerações a casca desse tipo de ipê.

"Na região do Pantanal, antes de sair para o campo a trabalho, muitos ribeirinhos mascam a casca do ipê-amarelo, tomam infusões feitas com ela ou fazem garrafadas com a planta", conta a pesquisadora da UFMS.

Para a ‘garrafada’, eles pegam a casca da árvore e colocam-na em uma solução alcoólica – que muitas vezes é pinga. Ingerida a poção, estarão prontos para enfrentar o dia. "Assim, se a cobra picar, o estrago não é tão grande", garantem os pantaneiros.

A ciência e a tradição pantaneira

Diante dos relatos, a equipe da UFMS resolveu testar a premissa. "Após três anos de testes laboratoriais com camundongos, confirmamos que o extrato da casca do ipê-amarelo do Pantanal tem, de fato, propriedades anti-inflamatórias e cicatrizantes contra o veneno de serpentes como a jararaca, a boca-de-sapo e a caiçaca", diz Kadri, que não analisou ipês de outras regiões. "Os resultados foram muito promissores."

Testes apontaram para uma melhora significativa dos animais tratados com o composto. "Notamos diminuição dos quadros de inflamação, edema e hemorragia", conta a pesquisadora. Segundo ela, substâncias da classe química dos iridoides são as prováveis responsáveis pelo poder do antídoto. "Devemos agora fazer ensaios com o produto isolado."


Mas o antídoto do ipê-amarelo não substitui o tratamento convencional à base de soro antiofídico.
"Uma mordida de jararaca pode matar não porque lesiona os tecidos do local atingido; mas sim porque seu veneno é hipotensor, isto é, pode levar a pressão sanguínea da vítima a zero", explica Kadri. O soro evita esse quadro. Mas não impede lesão nos tecidos – efeito que pode ser diminuído pelo antídoto do ipê-amarelo. É o antídoto que poderá evitar, por exemplo, a amputação de um membro.

O processo de extração do antídoto já está sendo patenteado. Mas ainda não há previsões para comercialização do produto. Em geral, pesquisas desse tipo levam no mínimo uma década – é o tempo necessário para que pesquisadores realizem testes de toxicologia, por exemplo, exigidos antes que a substância possa ser testada em humanos.

O grupo da UFMS dedicará os próximos três anos de trabalho à detecção de possíveis efeitos tóxicos do antídoto para o organismo. No melhor dos cenários, testes clínicos deverão ser iniciados a partir de 2017.

Cuidado com a cobra

No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, as serpentes do gênero Bothrops são responsáveis por mais de 80% dos acidentes ofídicos – ou, em linguagem popular, mordidas de cobra. A maioria dos casos é registrada em estados do Centro-oeste.

Acidentes em áreas rurais são bastante comuns. Mas em áreas urbanas eles têm se tornado cada vez mais frequentes também. Com a redução da área dos ecossistemas naturais que abrigam as cobras, elas acabam buscando outros lugares para viver e vão parar nas cidades – onde a abundância de ratos, por exemplo, é um prato cheio para garantir sua sobrevivência.

Fonte: Instituto Ciência Hoje