Agência FAPESP – Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) identificaram um RNA denominado de INXS que, embora não contenha instruções para a produção de uma proteína, modula a ação de um gene importante no processo de apoptose, ou morte celular programada.
De acordo com Sergio Verjovski-Almeida, professor do Instituto de Química da USP e coordenador da pesquisa apoiada pela FAPESP, a expressão de INXS geralmente está diminuída em células cancerígenas e métodos capazes de estimular a produção desse RNA não codificador poderiam ser usados no tratamento de tumores.
Em experimentos com camundongos, os cientistas da USP conseguiram reduzir em cerca de 10 vezes o volume de um tumor maligno subcutâneo ao aplicar no local injeções de plasmídeos – moléculas circulares de DNA – contendo INXS. Os resultados foram divulgados na edição mais recente da revista Nucleic Acids Research.
O grupo liderado por Verjovski-Almeida na USP tem se dedicado nos últimos cinco anos a investigar o papel regulador dos chamados genes intrônicos não codificadores de proteína – aqueles localizados na mesma região do genoma de um gene codificador, porém na fita oposta de DNA. O INXS, por exemplo, é um RNA expresso na fita oposta à de um gene codificador de proteína conhecido como BCL-X.
"Estudamos diversos genes codificadores de proteína envolvidos em morte celular em busca de evidências de que algum deles fosse regulado por um RNA intrônico não codificador. Foi então que encontramos o BCL-X, um gene situado no cromossomo 20", contou.
O BCL-X, explicou o pesquisador, está presente nas células em duas formas alternativas: uma que inibe a apoptose (BCL-XL) e uma que induz o processo de morte celular (BCL-XS). As duas isoformas agem sobre a mitocôndria, mas de formas opostas. A isoforma BCL-XS é considerada supressora de tumor por ativar complexos proteicos conhecidos como caspases, essenciais na ativação de outros genes que causam a morte celular.
"Em uma célula sadia, existe um balanço entre as duas isoformas de BCL-X. Normalmente, já existe uma quantidade menor da forma pró-apoptótica (BCL-XS). Mas, ao comparar células tumorais e não tumorais, observamos que nos tumores a forma pró-apoptótica está ainda mais reduzida, bem como o nível de INXS. Suspeitamos que uma coisa estava afetando a outra", disse o pesquisador.
Para confirmar a hipótese, o grupo silenciou a expressão do INXS em uma linhagem de células normais e o resultado, como esperado, foi o aumento da isoforma BCL-XL (antiapoptótica). "A razão entre as duas – que era de 0,25 – passou para 0,15, ou seja, a forma pró-apoptótica que representava um quarto do total passou a representar apenas um sexto", explicou Verjovski-Almeida.
O contrário aconteceu quando os pesquisadores elevaram artificialmente a quantidade de INXS por meio de plasmídeos de expressão em uma linhagem celular de câncer renal, na qual esse RNA não codificador estava reduzido. "Aumentou a forma pró-apoptótica e diminuiu a antiapoptótica", comentou o pesquisador.
O passo seguinte foi submeter linhagens de células cancerígenas a agentes que sabidamente induzem a morte celular, como luz ultravioleta e drogas quimioterápicas, para ver se a expressão do INXS aumentava.
"Usamos três agentes que induzem a morte celular via mitocôndria e verificamos que todos faziam aumentar a proporção da isoforma pró-apoptótica e diminuir a isoforma antiapoptótica. Além disso, notamos um aumento de 5 a 10 vezes no nível de expressão do INXS e um aumento na atividade das caspases – marcadoras do processo de apoptose", contou o pesquisador.
Os pesquisadores repetiram o experimento, mas desta vez realizaram o silenciamento do gene INXS. Observaram então que, mesmo na presença da luz ultravioleta, a isoforma pró-apoptótica não aumentava e as células não morriam. "Isso nos trouxe mais evidências de que o INXS é de fato o mediador desse processo", afirmou Verjovski-Almeida.
A última etapa do estudo foi verificar se também in vivo o aumento na expressão do INXS estaria relacionado à morte de células cancerígenas. Para isso, os pesquisadores implantaram subcutaneamente em camundongos células de câncer renal humano e esperaram entre 40 e 60 dias para que o tumor atingisse um volume de 300 milímetros cúbicos (mm3) e se tornasse palpável.
Os animais foram então divididos em dois grupos. Metade passou a receber injeções de plasmídeos com INXS no local do tumor. A outra metade, que serviu de controle, recebeu apenas injeções de plasmídeos vazios.
Após 15 dias de tratamento, o tumor dos animais do grupo controle havia atingido volume médio de 600 mm3. No grupo tratado com INXS, o volume médio foi de 70 mm3 – cerca de dez vezes menor.
"Os tumores dos animais que receberam o INXS não apenas estavam menores e mais leves como também mais esbranquiçados, sinal de que a vascularização no local havia sido reduzida. Além disso, quando medimos a relação entre as isoformas de BCL-X, os tumores tratados tinham uma proporção maior da pró-apoptótica, o que sugere que as células tumorais restantes já estavam a caminho de morrer", contou o pesquisador.
Na avaliação de Verjovski-Almeida, é possível desenvolver terapias contra o câncer capazes de elevar a quantidade de INXS apenas nas células tumorais e o grupo da USP pretende testar algumas estratégias no futuro.
Além disso, em um novo Projeto Temático "Caracterização dos mecanismos de ação de RNAs longos não codificadores envolvidos nos programas de ativação gênica em células humanas", recém-aprovado pela FAPESP, o grupo pretende aprofundar o conhecimento sobre os mecanismos pelos quais o INXS modula o gene BCL-X e entender por que esse RNA não codificador está diminuído nas células cancerígenas.
Os experimentos publicados na revista Nucleic Acids Research foram realizados durante o doutorado de Carlos De Ocesano-Pereira, realizado com Bolsa da FAPESP. Também contaram com a participação dos bolsistas de pós-doutorado Murilo Sena Amaral e Kleber Simônio Parreira.
Fonte: Agencia Fapesp