Chegamos a um ponto em que os antibióticos não conseguem combater algumas bactérias. Esses medicamentos já perdem a batalha para dezessete micro-organismos multirresistentes, causando, nos Estados Unidos, mais mortes que a aids. A preocupação de médicos e cientistas em todo o mundo é que, sem o investimento em pesquisas e um plano contra o abuso de medicamentos, podemos voltar, rapidamente, à época em que os antibióticos não existiam.
No inverno de 2007, um homem de origem indiana saiu de sua casa, na Suécia, para passar o mês de dezembro em seu país natal. Cumpria o mesmo ritual todos os anos, mas, dessa vez, a viagem o preocupava. Aos 59 anos e diabético, tinha sofrido vários derrames — e sua saúde poderia se tornar mais frágil no interior da Índia. Poucos dias depois de chegar, ele foi internado na pequena cidade de Ludhiana, com úlceras profundas na pele. Sem condições de tratá-lo, os médicos o encaminharam para a capital, Nova Délhi. Ele foi operado e tratado com antibióticos, mas a doença não cedeu. De volta à Suécia, foi internado na cidade de Örebro, a 160 quilômetros de Estocolmo. Seus últimos registros são de 1 de abril de 2008, quando a equipe responsável pelos cuidados médicos descobriu em seu corpo uma bactéria com uma mutação nunca vista: era resistente a quase todos os antibióticos conhecidos, e tinha vindo com o paciente da Índia. Para conseguir vencê-la foi necessária a colaboração de cientistas da Grã-Bretanha. No ano seguinte, em referência à sua origem, a enzima que tornava o micro-organismo quase imbatível foi batizada de New Delhi metallo-beta lactamase 1 — e o nome logo se transferiu à superbactéria, hoje conhecida como NDM-1.
Contra ela, os antibióticos têm pouco ou nada a fazer. É imune aos remédios chamados carbapenemas, usados para combater os micro-organismos mais resistentes já descobertos. Em 2010, ela já tinha viajado pela Europa, Austrália e Estados Unidos. Desembarcou no Rio Grande do Sul no ano passado e, em fevereiro, foi encontrada em dois pacientes em um hospital de Londrina, no norte do Paraná. O tratamento das infecções urinárias e de pele que ela causa é longo, caro e repleto de efeitos colaterais. Nos casos mais graves, não há nenhum antibiótico capaz de combatê-la. As doenças que ela causa levam à morte. Essa batalha perdida pelos antibióticos já mata mais que a aids nos Estados Unidos – são 23 000 mortes anuais, ante 15 000 causadas pelo HIV. No país, os remédios existentes não conseguem combater dezessete tipos de micro-organismo, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês). Um relatório divulgado no fim de março pela Organização Mundial de Saúde (OMS) mostrou que cerca de 500 000 casos de tuberculose em 2012 foram causados por bactérias super-resistentes em todo o mundo. Até 2015, os casos podem ser 2 milhões. Ou seja, milhões de pessoas podem adoecer como se estivessem no início do século XX, antes da descoberta do primeiro antibiótico.
"Atingimos um ponto em que não há tratamento para bactérias tão resistentes. Todas as drogas disponíveis não funcionam e, se alguém estiver infectado com uma delas, vai morrer", diz Caetano Antunes, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, e um dos maiores especialistas no Brasil no estudo de antibióticos. "Vamos voltar à Idade Média, quando tratávamos doenças de pele com amputações."
Fonte: Veja - Abril